Muitas vezes já me perguntaram do porque do brasileiro - diante de tanto desgoverno, episódios de corrupção, roubalheira do dinheiro público, aumento de impostos, burocracia asfixiante, serviços públicos horrendos, insegurança, má gestão econômica - aceitar tudo tão pacatamente, sem protesto, calado, conformado.
Onde estaria a sociedade civil para se levantar contra tais desmandos para cobrar mais competência e eficiência do servidor público, do político ?
Em uma das obras mais lidas e prestigiadas - A Democracia na América - o pensador político e historiador francês Alexis de Toqueville que admirava a pulsante democracia dos EUA fazia já no século XIX uma severa previsão e alertava:
"Vejo uma multidão infinita de homens iguais e afins que se voltam sobre si mesmos sem descanso, procurando os prazeres pequenos e vulgares com que alimentam a alma. Cada um deles, retraído e solitário, é como um estranho para o destino de todos os demais: seus filhos e seus amigos particulares formam toda a espécie humana para ele; quanto a seus concidadãos, ele está ao lado deles, mas não os vê; ele os toca e não os sente; só existe em si mesmo e para si mesmo ...
Acima deles, paira um imenso poder tutelar, que, sozinho, se encarrega de assegurar seus prazeres e tomar conta de seu destino. É absoluto, detalhado, metódico, sagaz e moderado. Lembraria o poder paternal se, como este, tivesse por objetivo preparar os homens para a vida adulta; mas, ao contrário, só trata de mantê-los irrevogavelmente atados à infância ...
Assim, após tomar um indivíduo por vez em suas mãos poderosas e trabalhá-lo a seu bel-prazer, o soberano estende os braços sobre a sociedade como um todo; abarca toda a sua extensão com uma rede de regras triviais, complicadas, meticulosas e uniformes por meio das quais as mentes mais originais e as almas mais vigorosas são incapazes de abrir caminho para sobrepujar a multidão; não corrompe vontades, mas as abranda, molda e conduz; raras vezes força alguém a agir, mas com frequência se opõe à ação; não destrói, mas impede as coisas de nascerem; não tiraniza, mas tolhe, compromete, enfraquece, extingue, atordoa e, finalmente, reduz cada nação a nada mais do que uma horda de animais tímidos e diligentes dos quais o governo é o pastor."
Toqueville não poderia ser mais preciso em sua análise. O Brasil é exatamente o retrato deste quadro pintado pelo historiador francês. Em sua faina de cobrir todos os espaços, chamar para si a resolução de todos os problemas, cooptar a ação coletiva, o poder estatal não deixa maiores brechas para a formação e/ou perpetuação de entidades particulares da sociedade que se formam muitas vezes para cuidar de um problema menor: Um alagamento recorrente de uma rua, uma limpeza de um bairro, a alimentação de desabrigados, uma associação para alfabetização de adultos e assim por diante.
Geralmente o que ocorre é o encampamento da ação, mesmo que num segundo momento, pela mão do Estado. Lá vêm o prefeito ou funcionário público na melhor da boas intenções "ceder" uma verba, ou alocar servidores para ajudar no início e depois tomar pra si a condução da empreitada. É a estatização da sociedade civil e suas organizações.
Como escreveu o historiador de Harvard em seu livro A Grande Degeneração (de onde eu retirei o trecho do texto traduzido de Toqueville), "...acredito que o ativismo local espontâneo por parte dos cidadãos é melhor que a ação estatal centralizada não só pelos resultados, mas - o que é mais importante - pelo efeito que isso tem sobre nós como cidadãos. Pois a verdadeira cidadania não se resume a votar, garantir o sustento e andar dentro da lei. Também consiste em participar do "bando"- o grupo que vai além de nossas famílias -, que é precisamente onde aprendemos a desenvolver e implementar regras de conduta: em suma, a governar a nós mesmos. A educar nossos filhos. A cuidar dos indefesos. A combater o crime. A manter as ruas limpas."
E aqui eu adicionaria: A criar senso crítico e capacidade de se indignar com os desmandos do governante eleito para, aproveitando a associação a que pertence, externar e cobrar ativamente dos responsáveis.
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