Reeleição, a todo vapor
Rogério L. Furquim Werneck*
Pensando no imediatismo e na inconsequência que vêm marcando a condução da
política econômica no País, por conta da precoce fixação do Planalto na reeleição,
lembrei-me de uma passagem marcante de um livro que li há mais de 50 anos.
Sou da época em que crianças ainda liam Julio Verne. Assim mesmo, com prenome
aportuguesado, como o autor era conhecido por aqui. A volta ao mundo em oitenta
dias, publicado em 1873, é um dos seus livros mais famosos. Conta as aventuras de
Phileas Fogg, um solteirão inglês rico e excêntrico, que aposta com outros sócios de
seu clube que poderia fazer uma viagem ao redor do mundo e retornar a Londres em
apenas 80 dias. Bastam dois parágrafos curtos para situar, no enredo, o episódio de que
me lembrei.
Fogg cruza a Europa e a Ásia, atravessa o Pacífico e segue, por trem, de São Francisco
a Nova York. Mas não chega a tempo de embarcar no navio em que pretendia retornar
à Inglaterra. E aí se vê em dificuldades. Os navios que estavam prontos para zarpar
não eram suficientemente rápidos. Os que eram, não sairiam a tempo de Nova York.
Mas Fogg afinal descobre o Henrietta, um cargueiro que parecia adequado, prestes a
partir vazio para Bordeaux. Era um navio típico do período de transição da navegação
a vela para a vapor. Já tinha propulsão a vapor, mas ainda era dotado de velas. E, afora
o casco de aço, a caldeira e a máquina a vapor, era todo de madeira.
Fogg embarca no Henrietta e consegue desviá-lo para a Inglaterra, graças a um motim
por ele fomentado. Mas a travessia acaba tendo de ser feita em meio a uma
tempestade. E logo fica claro que o estoque de carvão do navio, dimensionado para
uma travessia calma de Nova York a Bordeaux, era insuficiente para a viagem a todo
vapor, em mar revolto, que estava sendo empreendida.
É nesse ponto que vem o episódio que me veio à mente (capítulo 33, para quem se
interessar). Com o carvão prestes a acabar, Fogg convence o capitão, a quem o navio
pertencia, a lhe vender o Henrietta. E, para manter a pressão da caldeira, ordena que
todas as partes em madeira do navio sejam desmanteladas e lançadas à fornalha.
Quando, afinal, o Henrietta chega às Ilhas Britânicas, só lhe restam o casco, a caldeira
e máquina a vapor.
A ideia de um navio que vai sendo desmantelado, para que seus pedaços sejam usados
como combustível que o mantém em movimento, propicia excelente metáfora para
perceber com mais clareza o que hoje vem ocorrendo no País. Ajuda a realçar o que há
de mais errado na forma inconsequente com que a presidente Dilma Rousseff vem
tentando assegurar sua reeleição a todo custo, em frenético vale-tudo.
Não há espaço, aqui, para um balanço de tudo que já foi desmantelado para avivar a
fornalha da reeleição. Mas uma lista curta teria de incluir o controle da inflação, a
credibilidade do Banco Central e previsibilidade da política fiscal. Num quadro em
que o dispêndio público continua a mostrar rápida expansão, já não se tem mais ideia
do que será o resultado fiscal de 2013, deixado agora ao sabor de pacotes de
desoneração anunciados de improviso, a cada mês, em desesperada tentativa de
mascarar a inflação com medidas que implicam inflação mais alta no futuro.
Merecem ainda destaque o abandono cada vez mais escancarado da ideia de realismo tarifário, como bem ilustram a insistência na política de preços de derivados de petróleo e a decisão populista de não repassar, aos consumidores, o custo mais alto da energia elétrica proveniente das térmicas. E há, também, outras conquistas valiosas, como a solidez dos bancos federais, sendo consumidas na fornalha da reeleição. A inconsequência na gestão da Petrobrás e do pré-sal não pode deixar de ser mencionada. Mas tem mais a ver com o vale-tudo anterior, que marcou a travessia do biênio eleitoral de 2009-2010.
Faltam hoje 560 dias para o segundo turno das eleições presidenciais. Uma travessia de 80 semanas. E ainda há muito o que queimar a bordo. Mas em que estado estará o nosso Henrietta no final de outubro do ano que vem?
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* Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.
Merecem ainda destaque o abandono cada vez mais escancarado da ideia de realismo tarifário, como bem ilustram a insistência na política de preços de derivados de petróleo e a decisão populista de não repassar, aos consumidores, o custo mais alto da energia elétrica proveniente das térmicas. E há, também, outras conquistas valiosas, como a solidez dos bancos federais, sendo consumidas na fornalha da reeleição. A inconsequência na gestão da Petrobrás e do pré-sal não pode deixar de ser mencionada. Mas tem mais a ver com o vale-tudo anterior, que marcou a travessia do biênio eleitoral de 2009-2010.
Faltam hoje 560 dias para o segundo turno das eleições presidenciais. Uma travessia de 80 semanas. E ainda há muito o que queimar a bordo. Mas em que estado estará o nosso Henrietta no final de outubro do ano que vem?
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* Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.